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Homus vegetarianus


por Alma

Segunda-feira, 26 de abril de 2010 - 12h15

Fernando Sampaio é engenheiro agrônomo formado pela ESALQ/USP, especialista em mercado de carnes pela ESA Angers. Pensador em tempo integral, cronista nas horas vagas. Seu dia foi cheio? Está cansado de ver preços e números? Leia a coluna do Alma e relaxe. Coluna do Alma, para você não se esquecer das outras coisas da vida.


No início da semana, o programa Login da TV Cultura inseriu em sua programação um debate sobre vegetarianismo, com a participação da nutricionista Licínia de Campos do SIC (Serviço de Informação da Carne) e George Guimarães, da Sociedade Vegana. Descontando-se a inépcia dos mediadores que não conseguiram organizar um debate civilizado, e o péssimo hábito do Sr. Guimarães de não deixar outras pessoas falarem, foi possível pinçar alguns seus argumentos que comprovariam a suposta superioridade de sua dieta. Em primeiro lugar é preciso distinguir as várias nuances de vegetarianismo. Há os que comem peixe e frutos do mar, há os que comem ovos e leite, há os que não admitem o uso de nenhum tipo de alimento de origem animal e há ainda aqueles que só aceitam o que a natureza oferece de bom grado, não o que é tomado dela pelo homem. Lisa Simpson encontrou uma vez um ativista que dizia ser um Vegan Nível 5, que não comia nada que fizesse sombra (I don’t eat anything that casts a shadow). Há aí também uma escalada ideológica implícita até para os próprios vegetarianos que vai dos menos aos mais perfeitos. O primeiro argumento do vegetarianismo é que comer carne não é natural para o homem. Eu permito-me discordar. Durante o programa, notei que nas inúmeras ocasiões em que não conseguiu manter a boca fechada, mesmo George mostrou em sua arcada dois pares de dentes conhecidos como caninos, especialmente desenhados para estraçalhar carne. O fato de que nós como espécie, George inclusive, tenhamos saído de cima das árvores para evoluir, aumentar nosso cérebro e conquistar o mundo, deriva diretamente, como prova o antropólogo Richard Wrangham de Harvard, do consumo de carne e posteriormente do domínio do fogo e de técnicas de cozimento. George também nos chama de carniceiros, comparando-nos a hienas e urubus, já que não comemos a carne quente logo depois do abate. Talvez George tenha experimentado carniça, e aí esteja a razão do seu trauma, mas eu sinceramente prefiro carne que tenha passado pelo abate, resfriamento e processamento em frigoríficos habilitados, já que é esta a garantia de que não haverá contaminação microbiológica na carne que estou comendo. George também sugere que agora que já estamos evoluídos, não precisaríamos mais da carne, como se de repente pudesse surgir uma nova espécie, o Homo vegetarianus. Acho que ele precisa de um pouco de perspectiva. Mais de 2 milhões de anos (comendo carne) se passaram para a espécie humana evoluir até aqui. Querer transformar nossa fisiologia no espaço de uma ou duas gerações me parece um pouco precipitado. O outro grande argumento de George, e o mais apelativo, é o da crueldade. Comer carne é cruel. Meat is murder. O Homo vegetarianus tem essa pretensão de ser um indivíduo moralmente superior ao resto dos mortais. Eu gosto de assistir a National Geographic. Uma vez assisti uma caçada de leões. Um bando de leoas derrubou uma inocente zebra e enquanto uma segurava sua garganta as outras começaram a devorar suas tripas e membros enquanto a pobre zebra ainda berrava. Isso foi cruel. Acho engraçado esse pensamento de que animais na natureza têm uma vida idílica quando não estão sujeitos a crueldade humana. Conheço várias fazendas e frigoríficos. Posso afirmar sem sombra de dúvida que é do maior interesse de pecuaristas e frigoríficos que os animais tenham no campo a melhor vida possível e sejam abatidos da forma menos estressante possível. Talvez George não acredite que essa gente seja tão boazinha, então é preciso que ele saiba que além dos motivos humanitários há também razões econômicas, já que o animal rende mais e a maturação da carne é melhor. Eu vou dizer o que acho cruel. Acho cruel, por exemplo, que crianças, especialmente as mais carentes não possam comer carne e tenham anemia. Uma pesquisa da Drª. Ana Maria Bridi, da Universidade Estadual de Londrina, mostrou que o consumo de carne está ligado ao desenvolvimento cognitivo de crianças. Carne é fonte de proteínas de alto valor biológico, ômegas 3 e 6, vitaminas A, E e B12, ferro e zinco. O Homo vegetarianus diz que tudo isso pode ser conseguido por outras fontes. Ah sim, isso é natural, tomar vitaminas e suplementos sintéticos todos os dias. Dizem que há tri-atletas vegetarianos e etc. e tal... Sou capaz de rasgar meu diploma se for à casa de um deles e não encontrar por lá nenhum suplemento ou nenhum desses potes coloridos tipo MegaMass2000 que se encontram em lojas de esporte, e talvez uma injeção ou outra de otras cositas más. Nos países em desenvolvimento, a cada aumento de renda percebido há um aumento proporcional no consumo de carne. As famílias percebem a importância colocar carne no prato dos filhos. De fato eu não conheço nenhum vegetariano pobre. Há talvez alguns por fanatismo religioso em certos cantos da Índia, mas pela aparência eles não são exatamente do tipo que “vende saúde”. Pode ser fácil para um Paul McCartney advogar o vegetarianismo do alto de uma fortuna de alguns milhões de dólares, ou para quem pode comer granola e iogurte natural no café da manhã e sushi no almoço. Mas para quem tem fome, carne é ao mesmo tempo necessária e desejada. Aí vem a carta do meio-ambiente. Claro, a pecuária é devastadora. Vacas poluem mais que carros. Os argumentos vêm de um relatório da FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação, sigla em inglês) de 2007, intitulado The Livestock Long Shadow, ou a Grande Sombra da Pecuária, sobre as emissões de GEE. No início de 2010, depois do prof. Frank Milthoener da UC Davis contestar os dados em um congresso científico, a própria FAO admitiu que a metodologia usada foi falha, e que iria rever o relatório. George também não sabe que os pastos onde as vacas estão absorvem mais carbono do que o que elas emitem. Além disto fala-se de boi como se ele produzisse só carne, e não uma vasta gama de produtos que vão do couro até biodiesel, medicamentos e produtos de limpeza. O outro argumento é que a pecuária usa muito mais espaço, comparada à agricultura. Bem, eu sou agrônomo e sei que há terras boas para café, outras boas para banana, e outras boas para... pasto. E nenhuma planta no mundo produz mais massa verde por unidade de área do que gramíneas tropicais. Infelizmente não podemos aproveitar esse potencial, ruminantes podem. E estamos evoluindo no modo de produção. Só no Brasil, entre 1975 e 2007, a produção de carne cresceu 227% para um aumento de área de pastagens de apenas 4%. Vamos então imaginar que a humanidade passasse a se alimentar de frutas e legumes que a natureza nos oferece. Em 2050 seremos mais de 9 bilhões de pessoas no planeta. Para alimentar essa gente toda com frutas e legumes seria preciso derrubar todas as florestas existentes no planeta. É uma bizarra maneira de defender a natureza. Não tenho nada contra quem queira ser vegetariano. Pelo contrário, acho que vai sobrar mais carne para mim. Mas contesto veementemente essa suposta superioridade moral que os vegetarianistas de bandeira na mão alegam ter sobre mim, especialmente porque são baseados em argumentos falsos e equivocados. Vi outro dia Lidia Guevara, a filha do Che, nua, boina na cabeça, pose de guerrilheira e armada de cenouras em campanha pelo vegetarianismo. Seu pápi, quando mandava na prisão cubana de La Cabaña fuzilava algumas dezenas de cubanos por dia. Sua suposta superioridade moral lhe dava essa liberdade, afinal o que fazia era pelo bem da humanidade. A contradição moral é a mesma, o PETA (Pessoas pelo Tratamento Ético dos Animais, sigla em inglês) por exemplo, acha normal sacrificar 97% dos animais que recolhem pelas ruas (www.petakillsanimals.com). Os fins justificam os meios. O Homo vegetarianus também se considera um ser moralmente superior, e acha que o que faz é pelo bem da humanidade. No extremo deste pensamento estão os ativistas que explodem carrinhos de hambúrgueres. No centro estão pessoas como George Guimarães que acham que devem impor ao resto da humanidade sua visão de mundo.
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